O que “84% dos brasileiros não terem comprado nenhum livro no último ano” significa

Se você circulou pela internet nas últimas semanas talvez tenha visto uma manchete parecida com esta: “84% da população adulta do Brasil não comprou nenhum livro no último ano, aponta pesquisa”. Mas o que exatamente essa manchete alarmante significa?

Começando pelo começo. A pesquisa mencionada na manchete é intitulada “Panorama do consumo de livros: um estudo sobre o perfil e hábitos de compradores de livros” e foi encomendada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL). Durante o estudo foram ouvidas, entre os dias 23 e 31 de outubro de 2023, 16 mil pessoas com 18 anos ou mais. A coleta de dados se deu através de questionário acessado via aplicativo de celular.

A CBL representa editores, livreiros e distribuidores e por isso, provavelmente, o foco da pesquisa foi a compra de livros e os fatores relacionados a ela e não as práticas de leitura. Neste texto estou usando o termo “práticas de leitura” para englobar coisas como tempo gasto com a leitura, participação em clubes para discutir livros, compartilhamento de leituras em blogs e mídias sociais, troca/empréstimo de livros, gêneros favoritos etc. Ou seja, esses aspectos não foram pesquisados e, portanto, embora eventualmente mencionados, não são contemplados de modo detalhado no estudo que estou comentando.

Dentre os motivos para a não compra de livros, as pessoas entrevistadas durante o estudo citaram preço, ausência de livrarias e falta de tempo. Um aspecto interessante a considerar sobre esse grupo é o de que não é porque a pessoa não comprou um livro que ela não leu no último ano e/ou não considera ler importante. No próprio estudo diz-se o seguinte “Entre aqueles que não compraram livros, 56% encontraram alguma alternativa à compra: download de PDF gratuito, acesso à biblioteca, empréstimo de um amigo ou terem sido presenteados com um livro” (Nielsen BookData; Câmara Brasileira do Livro, 2023, p. 6, grifo meu). Esse tipo de dado indica a importância da construção e fortalecimento de espaços para acesso ao livro fora dessa lógica de compra individual.

Quanto a percepção da importância da leitura, 85% das pessoas que não compraram livros consideram que ela é uma atividade “importante” ou “muito importante” para o desenvolvimento na carreira, lazer, estudos etc. Ou seja, elas têm uma percepção positiva acerca da leitura. O que, para mim, é mais um indicativo de que não falta desejo pela leitura, mas sim oportunidade de praticá-la.

Dados como esses demonstram que se existirem bibliotecas públicas e escolares com estrutura e pessoal capacitado e acervo acessível e de qualidade, haverá mais pessoas lendo. Até porque as bibliotecas não são apenas o local para pegar livros emprestados. Elas também são, dentre outras coisas, espaços de formação de leitores(as) e fomento a bibliodiversidade. Dois aspectos importantíssimos que a compra de livros por si só não consegue realizar em larga escala e, muito menos, atingindo todos os extratos sociais da população brasileira.

Voltando o olhar para os dados sobre pessoas que compraram livros, o estudo mostra que 16% da população brasileira, maior de 18 anos, comprou ao menos um livro nos últimos 12 meses. Longe do ideal? Muito longe. Porém, se lembrarmos que, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, a renda média habitual real registrada no segundo trimestre de 2023 foi de R$ 2.924 e que essa foi a primeira vez que ela superou os níveis observados no mesmo trimestre de 2019 (período imediatamente anterior à pandemia), essa porcentagem de pessoas comprando livros ganha nova perspectiva.

Outro dado que me chamou atenção é o de que 8% das pessoas que compraram livros também assinam clubes de livros. Demonstração interessante de que, havendo condições materiais, as pessoas estão sim dispostas a investir para acessar livros com regularidade.

Fontes consultadas

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Retrato dos rendimentos do trabalho –resultados da PNAD Contínua do segundo trimestre de 2023.

NIELSEN BOOKDATA; CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO. Panorama do consumo de livros: um estudo sobre o perfil e hábitos de compradores de livros. [São Paulo]: Nielsen BookData, CBL, 2023.

Usou esta postagem? Então, faça a referência

SANTOS, Izabel Lima dos. O que “84% dos brasileiros não terem comprado nenhum livro no último ano” significa. In: SANTOS, Izabel Lima dos. Estante de Bibliotecária. Fortaleza, 06 janeiro 2024. Disponível em: https://estantedebibliotecaria.com/2024/01/06/o-que-84-dos-brasileiros-nao-terem-comprado-nenhum-livro-no-ultimo-ano-significa/. Acesso em: dia mês ano.

2 respostas em “O que “84% dos brasileiros não terem comprado nenhum livro no último ano” significa

  1. Oi, Caio! Faltam bibliotecas públicas nas cidades e olha que, dentre os equipamentos culturais possíveis, bibliotecas são um dos mais presentes nas cidades. Cultura de leitura leva tempo e precisa de múltiplos agentes pra ser construída, mas é um investimento que vale a pena, pois, mesmo pensando apenas do ponto de vista econômico, ela se paga facilmente.
    Obrigada pela visita.

    Curtir

  2. Como sempre, você trouxe excelentes pontos para a realidade da leitura no Brasil. Eu sinto muita falta de uma biblioteca pública em minha cidade, por exemplo. Aqui, só há as das escolas, mas elas limitam os empréstimos aos alunos. É uma pena. Aí, resta, a quem consegue, o consumismo. Fato é que, na atual conjuntura econômica, isso é um luxo para muitos. Contudo, mesmo que deixasse de ser, eu ainda acredito que levaria um tempo considerável para instituirmos uma cultura de leitura entre as pessoas daqui — e isso é outra coisa que as bibliotecas poderiam ajudar enormemente, com clubes de leitura, incentivos às crianças e tal.

    Curtir

Comentários

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.