Considerações sobre Estudo de Usuários

Confesso que achei um tanto quanto surpreendente estudo de usuários ser um dos temas mais votados na enquete de aniversário do blog. Afinal, se tem uma unanimidade na Biblioteconomia é que “realizar estudos para conhecer os usuários é importante” e por isso, vez por outra, saem textos sobre esse tema. Textos esses que são escritos por gente com um Currículo Lattes muito mais chiquérrimo que o meu. Alguns exemplos de pesquisadores do tema são o Carlos Alberto Ávila Araújo (UFMG), Jonathas Luiz Carvalho Silva (UFCA), Murilo Bastos Cunha (UnB), Sueli Angelica do Amaral (UnB), dentre outros. Temos também os textos clássicos da Nice Figueiredo. Por tudo isso, nunca pensei que vocês iam querer ler justo essa reles graduada falando sobre o tema, mas já que vocês votaram… Aqui vamos nós. 😉

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Quem pergunta quer saber… Mas lembre-se que nem sempre as respostas vão lhe agradar. Fonte da imagem: Pixabay

Estudo de usuários é um tema que desperta o interesses de pesquisadores de épocas diferentes porque, de fato, conhecer os usuários (e os não usuários) das bibliotecas (unidades de informação) é fundamental. Porém, o que isso tem de importante tem de difícil de fazer.

Ouça a voz da experiência (sic): no dia que você for realizar um estudo de usuários existe uma boa chance de você querer desistir no meio do caminho porque planejar, coordenar, divulgar e analisar os dados coletados de um estudo desse tipo é algo capaz de tirar a paciência de qualquer um.

O primeiro ponto que você precisa ter em mente ao planejar esse tipo de estudo é descobrir se a biblioteca já realizou esses estudos anteriormente. Isso vai te ajudar a entender quais referenciais orientaram esse(s) trabalho(s). Observe o referencial teórico, o conteúdo das perguntas, o tipo de pergunta feita, a forma de representação dos dados e o que a biblioteca fez com os resultados obtidos.

Paralelamente a isso, é importante pesquisar e ver quais são as teorias, técnicas e modelos adotados em estudos de usuários realizados em bibliotecas semelhantes a sua. Estou falando de bibliotecas semelhantes porque acredito e já disse isso mil vezes aqui no blog que sempre podemos aprender com o que nossos colegas estão fazendo e observar como a biblioteca da escola X realiza estudo de usuários pode sim te ajudar a elaborar sua pesquisa.  Lembrando sempre que focar é importante, mas nada de fechar os olhos para as experiências de bibliotecas de instituições diferentes da sua. Afinal, a priori, nada impede que uma biblioteca escolar adapte o modelo de pesquisa feito por uma biblioteca especializada.

Fez essas duas coisas? Ótimo. Agora é hora de decidir se você vai seguir a mesma vibe das pesquisas anteriores feitas pela biblioteca ou se vai seguir um referencial diferente. Independente da sua escolha, lembre-se de ter muito claro porque ela foi feita, pois você terá que justificar isso junto a seus superiores, a sua comunidade e junto a seus colegas.

Nessa fase também são muitas decisões a tomar. Você terá que definir um recorte (vou pesquisar todos os produtos e serviços ou só alguns? Vou investigar isso junto a toda comunidade?); como será o instrumento de coleta de dados (impresso, eletrônico ou ambos? Vou fazer um instrumento para cada grupo de usuários?); período e meios de divulgação; que ações pretendo desenvolver com esses dados (relatório? Usar pesquisa como base para planejamento institucional?) e etc.

Uma coisa importante a ser feita e que, as vezes, esquecemos é que não é porque somos bibliotecários/as incríveis que não precisamos de ajuda. Por isso, busque pessoas / instituições / ferramentas que facilitem essa jornada. Se for possível ter acesso a apoio especializado na área de estatística para análise dos dados quantitativos, pelo amor de Dewey, utilize-o.  Sério! Esse tipo de parceria pode te ajudar a ir além do simples “21 usuários acham a biblioteca importante e 20 não acham”.

O/a estatístico(a), especialmente, se ele/a acompanhar o processo de elaboração dos instrumentos de coleta de dados desde o começo, pode te ajudar a construir questões pensando em cruzamentos de dados. Exemplo: Qual a porcentagem de usuários que disseram achar a biblioteca importante realiza empréstimo com regularidade? Que outros serviços eles usam? Sem contar que, como a experiência que essa área tem com avaliação é diferente da nossa, podemos aprender bastante com essa relação.

Se você for utilizar questionário / formulário / entrevista  e afins para coletar os dados, por favor, faça um pré-teste. Além de testar o formato em si, analise a linguagem (será que as perguntas estão claras ou estou falando bibliotequês?), o tempo gasto para responder, a acessibilidade do instrumento para pessoas com deficiência e, principalmente, utilize essa experiência para analisar se as perguntas feitas te permitem obter respostas condizentes com o objetivo do estudo.

[Pausa para um parágrafo pseudopolêmico]

Eu sou fã de análise qualitativa. Então, por mais que meu respeito – amor já seria demais – pela estatística seja enorme, não creio ser possível avaliar produtos e serviços de uma biblioteca sem fazer uso de técnicas qualitativas também. Isso significa que mesmo ao utilizar um instrumento de coleta de dados todo pautado na lógica da múltipla escolha, sempre deixo espaço para que os participantes expressem livremente o que pensam sobre determinado aspecto. Obviamente que isso vai aumentar o trabalho na hora de analisar os dados, mas as vantagens compensam. Os dados qualitativos vão ajudar na contextualização dos quantitativos, afinal, não basta eu saber que 21 pessoas consideram a biblioteca importante e 20 não consideram, eu preciso saber porque elas pensam assim. Normalmente, não coloco a resposta a essa pergunta como algo obrigatório, mas faço questão de que ao menos uma questão aberta esteja presente em todo questionário de avaliação que elaboro.

[Fim do parágrafo pseudopolêmico]

Questões abertas também são espaço para críticas / sugestões / elogios (amo muito!) e, as vezes, despropósitos. Nesse último caso, apenas respire fundo. Tente focar nos comentários construtivos. Exemplo: alguém sugeriu alguma atividade? Reclamaram do período de empréstimo e/ou multa? Em que sentido se deu essa reclamação? Sinalizaram maior necessidade de divulgação de algum serviço? Lógico que nem sempre essas respostas vão estar claras, então prepare-se para usar toda sua capacidade de interpretação de texto.

Ah, e aproveite para cruzar a resposta aberta com as questões fechadas respondidas por aquele participante. Se ele comentou sobre o espaço físico da biblioteca, veja como foram respondidas as questões fechadas sobre esse item. Normalmente, é nesse tipo de cruzamento que vem as mais interessantes e curiosas constatações.

Estudo concluído é hora de pensar em como você vai responder as demandas da comunidade. Talvez você não consiga atender a solicitação da biblioteca ter um exemplar de cada livro para cada aluno que dele precisar, pois “money [e espaço] que é good nóis num have”; mas você pode (tentar) atender as sugestões de diversificação dos horários de treinamentos e de realização de (mais) ações de incentivo a leitura, por exemplo.

Avalie suas possibilidades de ação e veja que respostas concretas você pode fornecer a sua comunidade tendo por base os dados coletados nos estudos de usuários. Se você tiver um público tão exigente e criativo quanto o da biblioteca em que atuo, as sugestões desafiadoras vão ser muitas, mas tenho certeza que você não é o tipo de bibliotecário/a que teve toda essa trabalheira só pra produzir um relatório que será engavetado e, portanto, tem plenas condições de usar as respostas da comunidade para melhorar quantitativa e qualitativamente as ações da biblioteca.

Por fim, deixo algumas sugestões de leitura.

Nos vemos em breve! 🙂

 

5 respostas em “Considerações sobre Estudo de Usuários

  1. Oi, Alice!
    Sim, pesquisar e ignorar dados coletados não é nada bom. Um dos problemas oriundos disso é que numa futura pesquisa os usuários podem simplesmente se recusar a participar, pois suas participações anteriores foram ignoradas. Além disso, fica a impressão de que eles não são importantes para biblioteca, então porque frequentá-la?
    Obrigada pela visita 🙂

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  2. Gostei do seu texto. Esclareceu pra mim alguns pontos. Estudo de usuário é tão importante quanto qualquer atividade dentro da biblioteca, mas é preciso, como você disse, responder às demandas. Enquanto estagiária, passei por uma experiencia de realizar um estudo que depois ficou guardado, não chegando nem a ser analisado. Acho que essa atitude gera mais distanciamento com os usuários. 😦

    Curtido por 1 pessoa

  3. Pingback: #Resenha – Manual de Estudo de Usuários da Informação | Estante de Bibliotecária

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