No ano passado escrevi um pouco sobre desapego em relação aos livros. A maior parte dos livros dos quais me desfiz acabou indo parar nas mãos de amigos e colegas de Biblioteconomia, mas alguns foram doados para bibliotecas.
Agora, se até eu que não tinha tantos livros assim já doei livros para bibliotecas, imagina quem acumula documentos nos mais diversos formatos durante anos e anos e anos? Muitas dessas pessoas um belo dia resolvem “organizar seus acervos” e separam pilhas de livros, revistas, xerox, gibis, blocos de anotações, vhs, dvd, panfletos, apostilas e manuais de microondas (sim, manuais de microondas) e resolvem que não precisam mais desses materiais.
Até aí, beleza. O problema é quando decidem mandar TODOS ESSES MATERIAIS (inclusive o manual do microondas) para a biblioteca mais próxima, pois, afinal de contas, “bibliotecas estão aí pra isso mesmo” e “toda doação é bem vinda”. Bem, deixa a tia da biblioteca dizer uma coisa para você que pensa assim: Apenas, pare!
Bibliotecas não são um depósito para onde você manda todas as tranqueiras que estão entulhando a sua casa. Aliás, se você não quer avaliar sinceramente sua coleção e encaminhar cada item para o destino que lhe convém (que, as vezes, pode ser a lata de lixo) você nem deve começar a organizar seu acervo.
É verdade que muitas bibliotecas dependem de doações para existir e dinamizar seu acervo. É verdade que algumas doações, como a realizada pelo casal Guita e José Mindlin, são pura preciosidade. Também é verdade que mesmo bibliotecas de grandes instituições podem ter seu acervo corrente melhorado a partir de doações de materiais. Falo isso com conhecimento de causa, pois trabalho numa biblioteca universitária e algumas doações que recebemos nos ajudam a compor um acervo mais dinâmico e a perceber tendências nos hábitos e interesses da nossa comunidade de usuários.
Mas também é verdade que muita gente acha que bibliotecas, especialmente de instituições públicas e comunitárias, têm obrigação de receber todo tipo de material (inclusive o manual do microondas) e que esse material, por pior que seja seu estado de conservação e por mais desatualizado que esteja, precisa ser integrado ao acervo, pois em algum momento ele já foi importante para quem doou e por isso “a biblioteca deve guardá-lo com todo amor e carinho”, agindo assim como a extensão do acervo particular do doador. Isso não é legal.

O material doado deve ser atualizado e possuir bom estado de conservação. [Imagem adaptada. Fonte: Site da Prefeitura de SP]
Doações devem ser atos conscientes e devem ter como base a vontade de atender as reais necessidades do acervo de uma biblioteca. Doar livros de física quântica escritos em cirílico (ou o manual do forno microondas) para uma biblioteca infantil brasileira, por exemplo, é dizer para essa instituição que você não está nem aí para ela e que quer apenas um local para despejar materiais de que não mais precisa.
Se você quiser doar qualquer coisa para uma biblioteca entre em contato com ela primeiro. Pergunte se e quais tipos de doações são aceitas. Internalize que, caso o material que você oferece seja de interesse para instituição, após concretizada a doação – que muitas vezes inclui a assinatura de um termo de doação – ele não pertence mais a você e que a biblioteca pode dispor dele como julgar conveniente. Isso significa que uma parte pode ser integrada ao acervo, outra pode ser repassada para outras instituições e outra pode ser descartada ou usada em oficinas artísticas, por exemplo, dependendo das necessidades e políticas de cada instituição.
Se você tem dúvidas sobre a pertinência dos materiais que quer doar pode conferir a lista 6 passos para uma doação consciente elaborada pela equipe do blog Bibliotecas do Brasil. Nessa postagem eles dão ótimas dicas para definir o que deve e o que não deve ser doado. E lembre-se: nada de chegar numa biblioteca com sacos e mais sacos de livros e afins em frangalhos, jogá-los na porta e sair correndo. Não existe amor ou real desprendimento em quem age dessa maneira. Não seja esse tipo de pessoa. Ninguém gosta desse tipo de pessoa.
Para finalizar a postagem e antes que alguém pergunte: Sim, o exemplo da pessoa que doou para uma biblioteca o manual do forno de microondas (junto com pilhas e pilhas de [outros] materiais sem condições de uso) é real.
Oi, Amanda!
Obrigada pela visita. Também noto que temos conversado mais sobre o tema, mas ainda há muito que avançar. Doações tem um potencial incrível, mas é preciso doar pro lugar certo
CurtirCurtir
Pingback: Descobri um mundo novo no Pinterest como potencial para educação infantil
Gente!! Estava conversando sobre doação por esses dias. Tem que nos faça acreditar que só ver biblioteca como lugar de descarte. E como você falou, em especial as públicas e comunitárias. É preciso de bom senso, no mínimo.
Chega a ser desrespeitoso! Muito bom e atual conteúdo do post. Nesse ponto, de 2017 pra cá, creio que temos conversado mais abertamente sobre isso, mas os casos ainda se repetem. Bom, ao menos estamos conversando e fazendo essa reflexão. Agora é hora da mudança de comportamente dessas boas almas doadoras.
CurtirCurtido por 1 pessoa
Imagino as dificuldades. Sucesso na empreitada 🙂
CurtirCurtir
Ótimo texto! Eu coordeno uma Biblioteca Comunitária e muitas vezes tenho que brigar porque não quero aceitar certas doações.
CurtirCurtido por 1 pessoa